Centro do debate nesses primeiros dias após a divulgação do resultado das
eleições, a economia não será o único desafio a tirar o sossego dos governantes
que assumirem em 1º de janeiro. Independentemente do apoio dado durante o
pleito, organizações sociais prometem intensificar a vigilância e a pressão
sobre a presidenta reeleita Dilma Rousseff, sobre governadores e parlamentares
para ver atendidas suas reivindicações e impedir o que classificam de
“retrocessos em direitos sociais”.
“Vemos os próximos anos como de muitos riscos para os direitos das mulheres
e para tudo o que conquistamos com muita luta nos últimos 30 anos. Nossa
expectativa é de resistência”, disse à Agência Brasil a
diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Guacira
Oliveira. A preocupação do movimento femininista diz respeito não só à
diminuição do número de mulheres eleitas para o Congresso Nacional e para
chefiar os executivos estaduais, mas, principalmente, com a nova composição do
Parlamento, classificado pelo Cfemea como uma legislatura mais “reacionária, conservadora, anti-igualitária e fundamentalista”.
“Esse sistema político, impermeável ao ingresso das mulheres, favorece os
segmentos menos compromissados com a consolidação de um poder democrático, com
participação paritária feminina”, defendeu Guacira. “Por isso, lutaremos pela
reforma do sistema político, além de continuar cobrando nossas outras bandeiras:
direitos sexuais ou reprodutivos, descriminalização do aborto, enfrentamento à
violência contra as mulheres, regulamentação da lei do trabalho doméstico e das
políticas públicos relativas à infraestrutura de cuidado, como creches e
albergues para cuidados com idosos”, completou.
A preocupação também é mencionada por representantes indígenas e
indigenistas. “O resultado das eleições nos deixou mais preocupados devido ao
fortalecimento de setores econômicos contrários aos povos indígenas e seus direitos.
A julgar pela nova composição [do Congresso], o indicativo é que, no Poder
Legislativo e nos estados, o processo de ataque [aos povos indígenas] que
caracterizou os últimos anos se aprofunde”, declarou o secretário executivo do
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto.
Sobre a reeleição de Dilma, o dirigente do Cimi disse que espera novos
posicionamentos. “Ainda alimentamos a esperança de que, em seu segundo mandato,
a presidenta mude em relação aos temas que envolvem estrutura fundiária. Que
retome o curso de reconhecimento e homologação das terras indígenas e
quilombolas e a reforma agrária”, disse Cléber.
Desde o fim do regime militar, em 1985, o governo Dilma foi o que menos
homologou terras indígenas, segundo o Cimi. “Esperamos que a presidenta tenha a
sabedoria para perceber que não será alimentando os setores conservadores que
conseguirá implementar mudanças estruturantes urgentes. Se as urnas mostraram
algo foi que, por mais que o governo federal tenha agradado ao agronegócio, paralisando
a demarcação de terras tradicionais e a reforma agrária e subsidiando a
atividade, nos estados em que o agronegócio é forte [Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul, por exemplo] a presidenta perdeu as eleições”, disse Cléber, destacando
a importância da reforma política. “Já no campo da economia, que tanto destaque
tem recebido, buscar soluções exclusivamente no mercado financeiro e nos bancos
nos parece uma sinalização negativa.”
Para o sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski, o resultado das urnas indica que a
população reconhece importantes conquistas recentes, mas cobra mudanças. Em
nota, Grzybowski avalia que, mesmo frustrados com o que consideram um modelo de
desenvolvimento incapaz de promover reformas estruturais, setores organizados
da sociedade civil se engajaram na disputa e ajudaram a consolidar a vitória de
Dilma Rousseff.
“Mas a reeleição por uma pequena margem de 3,5% precisa ser vista como um
pedido de mais e não simplesmente do mesmo […] Demandamos um reformismo mais
consistente, mais transformador […] A cidadania militante, despertada neste
segundo turno, quer as mudanças esperadas que ainda não aconteceram. Se o poder
constituído saberá se sintonizar com a cidadania reivindicante é uma questão em
aberto”, afirma Grzybowski.
Para o assessor de Políticas Públicas do Greenpeace, Pedro Telles, a
sociedade precisa se mobilizar para garantir avanços em relação à preservação
da qualidade ambiental. Segundo ele, o Greenpeace vai manter “a mesma postura
crítica dos últimos quatro anos”. Em nota, a organização afirma que o país
retrocedeu em termos de proteção à natureza, pois optou por priorizar os
investimentos em combustíveis fósseis, em detrimento de fontes renováveis;
anistiou quem destruiu o meio ambiente por meio da promulgação do novo Código
Florestal; interrompeu o ciclo de redução do desmatamento da Amazônia e criou
menos unidades de conservação que em governos anteriores. “Lógico que, nos
próximos quatro anos, isso pode mudar e essa é nossa esperança. Mas o que vemos
é um cenário muito semelhante e preocupante, no qual teremos que continuar
lutando muito não só para que tenhamos avanços, mas para evitar retrocessos.”
Uma das coordenadoras da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Isolete
Wichinieski também considera que, para os trabalhadores rurais e as comunidades
tradicionais, é grande a ameaça de retrocessos legislativos. “No Congresso
Nacional e nas assembleias estaduais foram eleitas pessoas muito conservadoras.
Por isso, prevemos dificuldades para manter os direitos constitucionais já
assegurados aos trabalhadores do campo e conquistarmos novos avanços. A
regulamentação do conceito de trabalho escravo, por exemplo, vai se tornar
ainda mais difícil. Os movimentos sociais poderão ser ainda mais criminalizados
e reprimidos. O que amplia as chances de um acirramento dos embates. Até
porque, para nós, a articulação política no Congresso ficará ainda mais
difícil. Por isso, acreditamos que os próximos anos serão de muita e intensa luta.”
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) destaca a luta por uma
Assembleia Constituinte exclusiva, pela reforma agrária, pelo assentamento de
mais de 120 mil famílias de trabalhadores do campo que, hoje, vivem acampadas
em condições precárias e pela democratização da mídia. “Apesar do atendimento
às pautas dos movimentos sociais estarem aquém do esperado – e basta ver os
números da reforma agrária dos últimos quatro anos – fomos fundamentais para
garantir a vitória de Dilma. Agora, seguiremos somando forças e ocupando
latifúndios por uma sociedade mais justa e igualitária. O grande desafio para
os movimentos sociais é seguir lutando por reformas estruturantes”, disse Alexandre
Conceição, um dos coordenadores do MST no site da entidade.
Fonte: Agência Brasil
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