Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que a derrubada, na Câmara dos Deputados, do decreto presidencial
que regulamentava a Política Nacional de Participação Social e os conselhos
populares tem um significado de revanche, de terceiro turno eleitoral, para os
partidos de oposição ao governo.
Desde a publicação do decreto, alguns setores do Congresso Nacional
vêm se opondo à ampliação da participação da sociedade civil na elaboração de
políticas do Estado, destacou o advogado Darci Frigo, coordenador da Organização de Direitos
Humanos Terra de Direitos.
“Essa oposição se dá em função do entendimento bastante conservador de que o
decreto é uma ameaça à democracia representativa, que está configurada através
do voto. Mas a Constituição garante também a democracia direta, em um processo
como esse, que amplia a participação da sociedade. Seria um avanço importante
de qualificação da democracia, mas o Congresso não quer dividir poder com a
sociedade, e essa negativa confronta com as mobilizações que ocorreram no
Brasil em 2013, que pediam essas mudanças”, disse Frigo.
Para o advogado, a participação popular não implica a existência de conflito
com os direitos parlamentares, mas sim complementa. “A democracia
representativa não faz o esforço para resolver os problemas que a sociedade
está vivendo. Isso sinaliza que, se a população não se mobilizar, não ir às
ruas de novo, a reforma política que está por vir pode ser no sentido de
retroceder e não atender aos anseios do povo”, completou.
Frigo conta ainda que a Articulação Justiça e Direitos Humanos, da qual a
Terra de Direitos faz parte, solicitou audiência com o presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, para discutir meios que permitam à
sociedade participar de forma mais ativa no processo de construção da Justiça
do país. Ele conta que o ministro falou sobre a ampliação dos mecanismos de
participação em seu discurso de posse na presidência da Corte. “Seria um passo
importante para debater ainda mais a participação popular.”
A presidenta do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro Souza, explica
que, na prática não haverá mudança na criação de novos conselhos e eles
continuarão existindo. O decreto apenas regulamentava e reorganizava os
conselhos e responsabilizava mais os governos, nos três níveis.
“Temos quase 30 anos de democracia, mas é possível melhorar, ter mais
articulação entre a democracia participativa e a representativa. Não é porque o
Legislativo foi eleito pelo povo que damos o direito de [os parlamentares]
legislarem sem dar voz às comunidades. [A derrubada do decreto] foi uma reação
revanchista, precipitada, sem transparência ou diálogo com uma política de
Estado”, disse Maria do Socorro.
Em participação ontem (28) no programa Espaço Público, da
TV Brasil,
o ministro das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, disse que a derrubada
do decreto não é o fim do mundo. “Já perdemos várias, perdemos votações e a
vida segue, claro que queremos ganhar o máximo possível. Mas o resultado é ruim
para quem defende posições populares”, avaliou.
“É uma derrota simbólica”, disse o assessor de Projetos e de Formação da Coordenadoria Ecumênica de
Serviço, José Carlos Zanetti. “O decreto seria o coroamento da criação de
um sistema de muitos conselhos já existentes, que legitimam políticas públicas.
Houve um sinal ruim com a suspensão do decreto que cria uma cortina de fumaça
naquilo que já estava acontecendo, provoca um desgaste na sociedade”, disse.
Segundo a coordenadora-geral da associação Ação Educativa e
integrante da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
(Abong), Vera Masagão, o decreto estava ligado à transparência e coibia o
aparelhamento do governo. Para ela, a Câmara colocou em xeque a iniciativa de
milhares de pessoas que, voluntariamente, participam de conselhos em todos os
níveis pelo país.
“Não há nenhum argumento válido [dos deputados]. A perda é grave com a
atitude do Congresso, uma ação que seria importante para a democracia ser usada
para embate político. E o que chama a atenção é a participação de um grupo tão
grande de lideranças de partidos historicamente comprometidos com a
participação social”, disse Vera.
A integrante da Abong acrescentou que a sociedade saiu mais politizada da
eleição e que é preciso cobrar desses partidos uma oposição mais qualificada,
com mais consistência dos argumentos e propostas alternativas. “Se eles se
sentem ameaçados, têm que explicitar”, argumentou Vera.
O Projeto de Decreto Legislativo 1.491/14, que derruba o Decreto nº 8.243, de maio deste ano, ainda passará pela
avaliação do Senado Federal. O presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse hoje
que “dificilmente” o decreto será mantido no Senado.
Fonte
Agência Brasil
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